Para o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, o conceito de tráfico privilegiado continua sendo alvo de intensos debates nos tribunais brasileiros, especialmente quanto à sua natureza jurídica e aos efeitos penais decorrentes. No processo de apelação criminal nº 1.0024.07.671506-9/001, o desembargador apresentou um voto técnico e garantista, que tratou do tema com profundidade e clareza.
O caso envolvia um réu primário, condenado por tráfico de drogas após ser flagrado com cerca de 92 gramas de maconha. Embora tenha assumido a propriedade da substância, o acusado posteriormente alegou coação por parte de um terceiro. A decisão, embora vencida, representa um importante marco na luta por uma justiça penal mais proporcional e humanizada. Veja mais sobre o caso abaixo:
Tráfico privilegiado: fundamentação e aplicação da redução máxima
Ao analisar o mérito do recurso, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho manteve a condenação do réu, afastando a tese defensiva de coação. Contudo, ao revisar a dosimetria da pena, ele destacou que a redução aplicada na sentença era injustificada diante das condições favoráveis do acusado. O réu era primário, possuía bons antecedentes e não havia indícios de envolvimento com organização criminosa. Esses fatores, segundo o desembargador, justificavam a aplicação da causa de diminuição.

O desembargador argumentou que o reconhecimento do tráfico privilegiado é um direito subjetivo do réu quando preenchidos os requisitos legais. Segundo ele, a expressão “as penas poderão ser reduzidas” contida na lei não autoriza uma escolha discricionária do juiz, mas impõe a obrigação de aplicar a redução proporcional à situação do réu. Com base nisso, o magistrado reduziu a pena do réu para 1 ano e 8 meses de reclusão, além de 166 dias-multa.
O afastamento da hediondez e o reconhecimento do regime aberto
Outro ponto central do voto do desembargador foi a discussão sobre a natureza do tráfico privilegiado. Divergindo da interpretação tradicional, o magistrado afirmou que essa modalidade de tráfico não pode ser considerada hedionda. Ele comparou o caso ao homicídio privilegiado, que, embora tenha origem em tipo penal hediondo, perde tal classificação quando o privilégio é reconhecido. Com isso, afastou a necessidade legal de fixar o regime inicial fechado, optando pela imposição do regime aberto.
Essa conclusão reforça o entendimento de que a hediondez não pode ser presumida quando a própria lei prevê um tratamento penal diferenciado para certas circunstâncias. O desembargador Alexandre Victor de Carvalho fundamentou sua posição em doutrina qualificada e em decisões que reconhecem a autonomia jurídica do tráfico privilegiado. Ao garantir o regime inicial aberto, o magistrado respeitou o princípio da humanidade da pena e se posicionou contra o automatismo punitivo.
Substituição da pena e defesa da individualização
Por fim, o voto do desembargador Alexandre Victor de Carvalho também se destacou pela defesa da possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por sanções alternativas. Embora o §4º do artigo 33 contenha uma vedação expressa a essa conversão, o magistrado considerou essa proibição inconstitucional. Para ele, trata-se de uma norma de caráter genérico que afronta o princípio da individualização da pena, assegurado pela Constituição Federal como uma das garantias fundamentais do condenado.
Com base nisso, substituiu a pena por duas medidas: prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo. Essa decisão, embora não tenha prevalecido no colegiado, representa uma interpretação progressista e compatível com os direitos fundamentais. O desembargador reforçou que cada caso deve ser analisado individualmente, e que o Estado não pode impor punições desproporcionais sob o pretexto de combate ao tráfico.
Em resumo, o voto vencido do desembargador Alexandre Victor de Carvalho no processo nº 1.0024.07.671506-9/001 é um exemplo notável de sensibilidade jurídica e respeito aos princípios constitucionais. Ao reconhecer a natureza não hedionda do tráfico privilegiado, aplicar a redução máxima da pena, fixar o regime aberto e permitir a substituição da pena por medidas alternativas, o magistrado atuou de forma coerente com uma visão moderna do Direito Penal.
Autor: Yury Pavlov